sexta-feira, 7 de novembro de 2008

domingo, 2 de novembro de 2008

Instruções para subir uma escada

"Ninguém terá deixado de observar que frequentemente o chão se dobra de tal maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e logo a parte seguinte se coloca paralela a esse plano, para dar passagem a uma nova perpendicular, comportamento que se repete em espiral ou em linha quebrada até alturas extremamente variáveis. Abaixando-se e pondo a mão esquerda numa das partes verticais, e a direita na horizontal correspondente, fica-se na posse momentânea de um degrau ou escalão. Cada um desses degraus, formados, como se vê, por dois elementos, situa-se um pouco mais acima e mais adiante do anterior, princípio que dá sentido à escada, já que qualquer outra combinação produziria formas talvez mais bonitas ou pitorescas, mas incapazes de transportar as pessoas do térreo ao primeiro andar.

As escadas se sobem de frente, pois de costas ou de lado tornam-se particularmente incômodas. A atitude natural consiste em manter-se em pé, os braços dependurados sem esforço, a cabeça erguida, embora não tanto que os olhos deixem de ver os degraus imediatamente superiores ao que se está pisando, a respiração lenta e regular. Para subir uma escada começa-se por levantar aquela parte do corpo situada embaixo à direita, quase sempre envolvida em couro ou camurça, e que salvo algumas exceções cabe exatamente no degrau. Colocando no primeiro degrau essa parte, que para simplificar chamaremos de pé, recolhe-se a parte correspondente do lado esquerdo (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé já mencionado), e levando-se à altura do pé faz-se que ela continue até colocá-la no segundo degrau, com o que neste descansará o pé, e no primeiro descansará o pé. (Os primeiros degraus são os mais difíceis, até se adquirir a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. Deve-se ter um cuidado especial em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé).

Chegando dessa maneira ao segundo degrau, será suficiente repetir alternadamente os movimentos até chegar ao fim da escada. Pode-se sair dela com facilidade, com um ligeiro golpe de calcanhar que a fixa em seu lugar, do qual não se moverá até o momento da descida."

(Julio Cortázar)


Eu gosto desse texto. Talvez você não goste. Eu só li um livro do Julio Cortázar, não posso dizer muito. Comprei uma vez porque eu precisava de um livro pra ler numa viagem e o Sardou me falou que era bom. Então eu comprei, e gostei. Do livro todo, em geral, mas particularmente dos textos desse tipo. Simplesmente pela estranha sensação em que se tem ao ver alguma absurda instrução para se fazer algo que parece tão lógico. E se eu, até hoje, subisse a escada de forma errada? Eu jamais saberia, e passaria a vida toda subindo a escada de forma errada. Deve fazer até mal pra coluna (porque tudo errado assim faz mal pra coluna).
Imagine um papel com essas instruções colado ao lado de uma escada. É absurdo... e por isso, engraçado.

sábado, 1 de novembro de 2008

Mousse

Visualize um lugar frio, bem frio
Pense no vento frio
Na vista bonita
No café quente
No nariz frio
Na mão fria
Pense no clima frio
E esqueça esse calor dos diabos!

Ingredientes


Para a mousse:
- 200 g de chocolate meio amargo
- 1 lata de creme de leite sem soro gelado
- 4 gemas
- 4 claras
- 8 colheres (sopa) de açúcar
- Raspas de chocolate para decorar

Modo de preparo


Para a mousse:


Derreta 200 g de chocolate meio amargo em banho-maria ou no microondas. Acrescente 1 lata de creme de leite sem soro gelado. Misture bem e reserve. Bata 4 gemas com 4 colheres (sopa) de açúcar até ficar um creme fofo e reserve. Bata 4 claras em neve com 4 colheres (sopa) de açúcar e reserve. Misture na mão o chocolate derretido com o creme, as gemas e as claras batidas. Reserve. Cubra a massa de bolacha com a mistura dos cremes. Leve à geladeira por cerca de 2 h. Retire da geladeira e decore com raspas de chocolate.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Chuva


Hoje a chuva choveu. Bem forte. E vou poder dormir em paz sem me revirar na cama, sem acordar suado, chutando a coberta pro mais longe possível de mim. Por quê não pode fazer frio pra sempre? Odeio calor. Como eu li em outro blog (e agora não consigo ficar sem pensar), o frio é controlável: você põe ou tira mais um casaco, até se sentir à vontade. No calor não. Nesse calor dos diabos, você só tem a opção de passar calor (ou sair pelado na rua, e mesmo assim ficar suado).
Eu sei que podia ser pior, bem pior. Mas tá quente, porra! Chega!
Ainda bem que a chuva veio, mesmo não sendo meu apartamento completamente a prova d'água.
Mas amanhã o calor volta, eu sei que volta. Pra estragar tudo de novo.
Droga.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Mesa de bar


Quarta alguém me disse para estar lá, e chegar às nove, pra guardar lugar. Eu cheguei às dez porque odeio esperar, e sentamos todos numa mesa escondida no canto onde os garçons pareciam não enxergar e nem ouvir os gritos. A mesa era pequena, mas cabia todo mundo, os que bebiam, os que comiam e os que não queriam estar lá.

Alguém fala da faculdade, um tosse, outro olha as mesas em volta, e mais um conta algo engraçado que lhe aconteceu ontem voltando pra casa. Todos riem, até os que não acham graça.

A comida passa, a bebida vem, o frio chega, a conversa continua, a bebida desce, as risadas saem e a comida sempre passa. Alguém lembrou de trazer casaco e outro sente frio, assim como alguém pensa em ir embora e outro pede mais uma pra esquentar.

Era quarta ou já quinta, isso sempre me confundiu, porque pra mim só é outro dia quando eu acordo. Mas era tarde, frio, e ninguém parecia se importar. Foi uma noite só ou várias? Pareciam três, quatro anos ligados em noites que foram ontem, todas elas. E que acabaram só pra continuar amanhã, ou depois, porque amanhã se tem que acordar cedo, se tem prova, se tem preguiça, se tem sono, mas se tem amigos.

A bebida entra (pra sair mais tarde), a comida foi mais rápido do que veio, a conversa vai, e vem, e nunca se vai de vez, e a conta demora aquela eternidade que não se percebe. Quem levanta, quem paga (e quem nunca paga), quem tem dinheiro, quem tem tempo e quem tem carro pra voltar.

Todo mundo sai e espera, e diz alto sem dizer, o que todo mundo concorda sem falar:

- Amanhã tem mais pizza.

E vão todos dormir, cheios e felizes, e outros que não lembram de uma parte da noite.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Feriados


Adoro feriados. Ah, nada se compara a beleza dos feriados! Acordar tarde, ou acordar cedo (por costume), mas despreocupado. Feriado era sempre sinônimo de viagem para mim, até pouco tempo atrás. Eu esperava ancioso de um feriado para o outro, procurando passagens baratas pra voar pro Rio e fingir que por 3 ou 4 dias estou de férias e não tenho obrigações aqui longe.
Mas hoje não. Esse feriado eu fico aqui. Justo no feriado que cai numa segunda e se estende para uma terça (oh bendito feriado), e a semana já começa na quarta, tão mais perto de sexta.
Esse feriado eu passo aqui, matando tempo. Acordando cedo pro dia durar mais. Tentando esquecer que tem algo pra estudar e ocupar minha mente, e afastar o meu ócio criativo.
São ainda 10:15 da manhã, e minha cabeça se enche de pensamentos sobre o livro que nunca consigo terminar de ler, o filme que eu queria ver, o jogo que eu queria jogar e tudo mais. E foi tanta coisa pensada, tantas idéias proibidas correndo pela cabeça, que eu acabei a manhã vendo Ana Maria Braga.
Nada mais justo pra celebrar o feriado, e a falta do que fazer.

Quem será que vai ser eliminado no Super Chef? (tensão)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Tirinhas revolutions

"Você pode ter todo dinheiro do mundo, mas tem algo que jamais poderá comprar:
um dinossauro"

- Homer Simpson

Cyanide and Happiness

Garfield

Dilbert

Laerte

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Três pontos


Eu continuo sem horas.
Continuo sóbrio, sem sono. Continua claro.
Continuo parado.
Continua a vida. Continuo meu café, frio.
Continua a calçada. Continuo a pisar na grama, e desviar do sol.
Continua tudo.
Continua eu, você. Continuamos, como o fim de semana.
Continua o tédio. Continua o vício.
Continua a rua, que sempre continua.
Continua a febre. Continuo a escorregar.
Continua o amor, cadarços desamarrados e poças de chuva.
Continua o sonho.
Continuam as palavras. Continua o papel.
Continua a calma, que nunca continua.
Continua o telefone, ocupado. Continua a pizza.
Continuo mudo.
Continua o mundo. Continua a pressa, que não quer continuar.
Continuo preso. Continua a fila.
Continuo com o pão, com o café que continua.
Continua a missa. Continua o céu.
Continuo aqui.
Continua o vento, que empurra as nuvens.
Continuo atrasado. Continuo criança, com a mesma roupa, o mesmo CPF.
Continuo rindo, enquanto continua.
Continua a espera.
Continua...

domingo, 19 de outubro de 2008

#41


Os dias passam devagar, apesar de eu dormir a maior parte deles. As horas paradas no relógio agora querem passar, correr um pouco, esticar as pernas. E eu olho inquieto pra que elas se atropelem.
Tudo agora se resume a pequenas sensações: eu acordo com sono, eu me arrumo com fome, eu escovo os dentes com preguiça e vou pra aula com o mesmo sono. No caminho, o pensamento voa. O carro já sabe o trajeto de cor. Os braços e pernas obedecem cegamente, e tudo segue. Penso na música do Chico ( - Música boa essa), no meu violão largado num canto, no trema que agora vai ser esquecido (- E conseqüentemente e lingüiça são as únicas palavras que me vem na cabeça) e nela. Nela eu penso mais que tudo. A essa hora ela está dormindo numa cama macia num quarto de hotel, de frente pra praia. Dormindo feliz, como quem sonhou antes de se deitar e não acredita ainda no sonho real que teve, tendo que olhar constantemente para as fotos que não mentem.
Eu não tenho uma praia na minha varanda. Apenas a mesma vista plana, sem morros ou imperfeições. Tudo continua se resumindo a pequenas sensações: eu escrevo com sono, digito com tédio, penso com fome e faço tudo mais com saudade. E, no fim, tudo se resume a saudade. Saudade de 1 semana, e alguns dias.
Não se engane, eu não me sinto triste. Falar de saudade não é falar de tristeza, pois toda saudade traz algo de bom consigo. Talvez eu seja exagerado, isso eu aceito. Mas eu me sinto em paz. Paz de me sentir em meu lugar. Não preciso de praias na minha vista, de chuvas, frio, videogame ou pizza de microondas. Só o que eu quero é parar de novo os ponteiros e passar a saudade. Parar em 41 minutos.

(29/09/08)

sábado, 18 de outubro de 2008

Céu abaixo


Hoje voltou a chover aqui, mesmo que ainda pouco (por enquanto). Eu já não aguentava mais aquele calor dos diabos! Então, pra comemorar a chuva, um poema que eu gosto e que parece adequado para a ocasião:


"Céu embaixo"
(Paulo Leminski)

"17

Janelas, escancaradas janelas do 17º andar, aqui vou eu, aqui vai toda essa minha estúpida vontade de apagar a luz, única maneira decente de apagar a dor.


16

Décimo sexto andar. Até aqui, tudo bem. A temperatura está a 17 graus, o céu azul, e a lei da gravidade continua funcionando com o costumeiro rigor. Quem partiu, tem que chegar.


15

Ao passar pelo 15º andar, já não acho mais que quem partiu tem que. Está provado que é possível, em certos casos, partir sem chegar a. Nesses casos, se diz, houve empate. Eu não jogava pelo empate. Jogava pelo escândalo, vitória ou derrota. Foi vitória? Derrota? Tem gente que prefere abrir o gás. Tem quem se dedique à pesca submarina. Em nenhum desses casos, o fim é algo de último, a meta não é definitiva. Qual era o jogo dela? Fosse qual fosse, amigos, amigos, jogos à parte.


14

Só quem já caiu de um 1º andar pode imaginar o que senti quando. Quando foi mesmo? Será que foi? Ou foi um peso que tirei de cima de mim? Peso por peso, prefiro o meu, que, pelo menos, me leva para algum lugar.


13

Pronto. Treze é meu número de azar favorito. Tenho outros números de azar. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, por exemplo, essas coisas, enfim, que atravessam as réguas de cálculo. De todos, 13 é o meu predileto. Que foi que fiz para merecer cair até o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico? Quem sabe eu não devia ter, vocês sabem. Vai ver, aquela nuvem lá longe não passa de um eco de um pensamento meu. A raiva é sábia.


12

Alguma coisa não pára de me dizer, não devia ter vindo. Eu sabia que a comida era péssima, o atendimento sempre ficava a desejar. Mas, depois de vindo, como desvir? O 12º é sempre o mais filosófico. Aquele onde o ato de pensar fica mais ridiculamente genérico. Cair não é genérico. Cair é a coisa mais natural do mundo. Cair é lógico. Podem perguntar para qualquer pedra do planeta Terra.


11

O 11º andar é sempre um caso à parte. Talvez melhor dissessem um caos à parte. Mas isto não seria correto. O correto consiste em dizer: o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico, sim, o mais correto, é deixar cair.


10

Não sei como suporto esta situação. º absolutamente ridículo. Só porque alguém saltou do 17º andar de um edifício não quer dizer necessariamente que tenha que chegar até um, digamos, décimo andar. O décimo andar, em casos de queda, é objeto e motivo de lendas e chacotas entre muitos povos primitivos que, absorvidos por outros afazeres mais prementes, deixaram-nas cair no esquecimento, onde jazem até hoje. Mas jazem muito bem. As lendas sobre o décimo andar, ainda vai haver quem as conte. Palavra de honra.


9

Que frio. Bem que minha mãe falou, leva um casaco. Sempre assim. A cabeça não pensa, o corpo é que sofre. O que eu queria mesmo era ficar para sempre no 12º andar.


8

Ela, ela mora no 12º andar. Ao passar, quase dei um alô. Ela não entenderia. Telefonaria para a mãe. Fritaria um ovo. No máximo, olharia para baixo. Ou para cima, para ver de onde eu tinha vindo.


7

Parece mentira, mas cheguei ao 7º andar. A que ponto chegamos! Nessa velocidade, a lembrança do 12º andar parece apenas uma lembrança. A física ensina que os corpos têm sua queda acelerada à medida que se aproximam do destino. Não vejo por que deveria ser diferente comigo. A lei da gravidade é a mais democrática de todas. Rege, com idêntico rigor, gregos e troianos, jóias e paralelepípedos, impérios e pétalas de magnólia. Sete é conta de mentiroso. Ela me mentiu. Nada mais fácil que mentir que se ama alguém. Basta dizer: eu te amo. Quem vai saber? Como medir? Como provar? As palavras também estão sujeitas à lei da gravidade?


6

No sexto, fica a administração. É o andar mais frio e mais distante. É onde se tramam as grandes negociações, onde ficam os cofres com os segredos indecifráveis. Chegar ao sexto andar é a ambição de todo corpo que cai. Os que não. A poucos é dada essa proeza. Os que fracassam, fatalmente, continuarão caindo até o quinto, onde ficam os infernos.


5

Do antigo inferno, o moderno só traz o nome. Na verdade, o inferno de hoje, no quinto andar, é um dos andares mais agradáveis do edifício, dispondo de amplas instalações, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quarto de empregada. Os banheiros são revestidos de material à prova de fogo, precaução inútil, já que neste prédio raramente ocorre algum incêndio de proporções catastróficas. Da janela do quinto andar, avista-se o letreiro que diz, PROIBIDO CAIR.


4

Ninguém nunca soube para que servia o quarto andar. Sempre se imaginou que era uma espécie de depósito onde se guardavam as coisas que não serviam mais para os andares de cima, garrafas vazias, móveis usados, lâmpadas queimadas, livros já lidos, óculos quebrados, espelhos, diários, relógios.


3

Deus queira que esta saudade do 12º permaneça acesa durante todo este andar, durante o frio, o vento, a angústia, a raiva e a força maior deste poder que me chama.


2

Não há muito a dizer, nunca há. Meia dúzia de palavras resolvem problemas de mil anos atrás. Fomos nos dizendo cada vez menos Dizer sempre é uma outra coisa.


1

O chão é duro"

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

For a while


Lá menor. Assim começa outra música dos Beatles que eu particularmente gosto muito nesse exato momento. "While my guitar gently weeps" Eu digo nesse momento exato porque não sei o quanto vou gostar dela daqui a 5 minutos, ou daqui a 1 semana, ou daqui a 3 meses ou depois de eu escutá-la mais de 20 vezes na mesma tarde. Quero dizer, eu sempre vou gostar dela, mas não mais do que agora. Nesse pequeno momento, ela é a música que eu mais gosto, e a que eu ouviria pra sempre, se pudesse escolher.
Mas meu pra sempre é curto, ele passa rápido, e dura uma eternidade, como um sinal fechado quando se está com pressa. Daqui a pouco, a música vai acabar mais uma vez. E talvez o botão de "play" esteja muito longe para eu apertar. E então uma nova música vai surgir na cabeça, outra batida, outra melodia, e a de antes....vai ficando turva, fugindo de mim como um eco distante
Eu sempre vou gostar dela, vou reconhecê-la nas primeiras notas do solo de guitarra, e lembrar o quanto eu já gostei dela uma vez. Talvez outro dia, outra tarde, quando eu menos esperar, ela volte a ser minha música preferida, aquela com a qual eu acordei com a melodia na cabeça.
Mas hoje, agora (que é o mais longe que eu consigo planejar), a música para, e deixa espaço para outros acordes que vem no lugar.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Tirinhas reloaded

Nas sábias palavras de Homer Simpson:

"A iniciativa é o primeiro passo para o fracasso"

Assim vence a preguiça:

Dilbert

Calvin e Haroldo

Garfield

Laerte

Malvados

Cyanide and Happiness

Allan Sieber

Leito de morte


Roberto respirava calmamente naquela tarde de outono. Mais calmo do que usualmente respirava sempre sentado em sua cadeira de leitura, com os óculos pequenos debruçados sobre o nariz, grande como o do avô. Sempre lhe diziam que era a cara do avô. Nunca entendeu porque não lhe falavam que era a cara do pai, que era igual ao seu avô, mas sempre...a cara do avô. Deitado na cama esticado, Roberto olhava pro teto e não via a tinta branca que subia pelas paredes, não via as manchas de infiltração, não via a lâmpada ou os 60 watts de alegria incandescente; Roberto via um dia, de volta em casa, encontrando seu neto a implicar com a irmã caçula. Via o primeiro passeio de carro e ouvia de novo todos os xingamentos novos que aprendeu naquele dia, via a praça vazia e ele no banco, via ela que não chegava, não chegava nunca! Via a pipoca estourando no microondas, as crianças sentadas no chão da sala, o sinal aberto, o sinal fechado, e ele que nunca se cansou de esperar naquele banco. Via seu pijama de seda, o ventilador de teto, o queijo e a goiabada (sempre juntos), a irritação das despesas, a alegria do carnaval perdido numa cidade estranha sem dinheiro, via a agonia da prova final, o desespero da semana, a dor de estômago, e o paciente que saía contente do seu consultório. Roberto via, sem ver, que o teto se mexia, se moldava a pintar seu próprio rosto, como um reflexo. “Você está velho, meu caro. Mas quanta vida!”. E enquanto o teto outra vez mexia e escorria tinta branca de volta pelas paredes, Roberto pensava nela, via o banco sozinho, a pipa voando, o pé balançando, e a paciência que é infinita quando não se quer estar em nenhum outro lugar. A luz da tarde se apagava pela janela, e Roberto suspirava cada vez mais devagar. Sentia o corpo, a idade, o peso do mundo esmagá-lo contra o travesseiro. Sentia que era muito mais, que tudo era muito mais. Via a pelada na rua de tardinha, a namorada da escola que tinha bigodinho e espinha, a briga na faculdade, a corrida pra maternidade, e o atraso que era sempre um susto. Roberto sentia a brisa do outono, olhava ainda calmo para o teto, vendo sem olhar, sentindo o peso das pálpebras pesadas, o travesseiro afundando, e o banco onde se conheceram, vazio, sem ela, e sem ele, que agora também não iria mais chegar. E enquanto a noite lá fora caía, Roberto, ainda calmo, sabia que era tudo mais, muito mais.

domingo, 12 de outubro de 2008

I'm only sleeping


(foto sutilmente roubada)

Já está tarde. Não tão tarde, na verdade. Mas se minha cama me chama, quem sou eu pra dizer não?

Então, só algo antigo que escrevi

pra me ajudar a dormir

E tentar esquecer de lembrar que amanhã é segunda



"Um poema pra me fazer dormir melhor"


"Dentro do quarto havia duas rosas

Que ela guardava para se lembrar

De suas tardes frias, sozinha

Onde se punha sempre a sonhar


De longe olhava pras rosas

Buscando um sentido no olhar

E de perto sabia bem onde

Podia-lhe a cara enfiar


As rosas fugiram ao vento

Como ela queria voar

E de vezes em vezes em quando

Ainda vinham as rosas a voltar


Haviam duas rosas no quarto

Como no poema que estava a falar

E de onde vinha tanta beleza?

Nenhum poema pode explicar"

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Poesia bagunçada


Eu tenho que confessar que não consigo mais estudar. Quando busco aquele canto isolado da biblioteca, aquele espaço onde só existe eu e um silêncio perturbador, e aquela vontade incômoda de tossir, eu já não posso me concentrar mais. Folheio o livro sem razão, vendo rabiscos nas folhas brancas e achando tudo engraçado, olho pra fora, olho pro teto, olho pros meus pés descalços, olho pra hora que me olha e não passa, e daí vem a vontade incontrolável de escrever. A vontade que não me abandona, que não me deixa fugir, que não me deixa sonhar, pensar, estudar, como algo natural, como ir ao banheiro, como fechar os olhos ao olhar pro sol, como se encolher no sonho em que se está caindo. E tudo muito rápido, é mais forte que eu. É a vontade de continuar descalço, de balançar a cadeira perigosamente, de largar o livro pro lado e de escrever sobre o que não se pode, sobre o que não se pensa, sobre o que não se vive, sobre os meus pés descalços. Vontade de pôr as palavras no papel, de deixá-las livres para que sigam seu próprio caminho, para que escolham ser crônica ou poesia, romance ou novela, piada ou lamento. Olhar e ver a poesia no papel rascunho, a poesia que se desenha, que se pontua sozinha, não para a vida virar poesia, mas para a poesia no papel virar vida, e assim, sair correndo.
E a vontade incansável, imóvel, imutável de se ler a poesia recém-rabiscada na folha arrancada de caderno, com rasuras e garranchos, com pingos de água, com um rasgo na ponta. A poesia suja e bela de fundo de biblioteca, feita entre um cachorro-quente e um guaraná. A poesia da vontade de comer, e a vontade de escrever, e a vontade nova de se escrever tudo o que come, e se comer tudo o que escreve. A vontade estranha, inodora, incolor de olhar a poeira nos livros das estantes. Poeira e poesia, lado a lado. Bem no fundo de um cantinho de uma biblioteca. A poesia rabiscada no papel foi deixada lá, em cima de uma mesa, largada. Porque fora dali as folhas limpas, são cheirosas, são passadas a ferro e guardadas em pastas, e nelas só se escrevem poesias limpas e ordenadas de letras impressas. Porque longe dali, da poeira e do calor, aquela poesia bagunçada não tem lugar.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Quase 22


Setembro passou voando. Onde foram os dias inúteis recheados de tédio, quando eu via os ponteiros correndo como tartarugas?
Eles foram se trocando por dias cheios e divertidos, por lembranças que sozinhas tirariam meu tédio por dias. E amanhã tudo já começa de novo.
O que é 22 anos? É só um número, um tempo, um relógio com ponteiros imensos que se mexem ora devagar e ora rápido demais. Ontem eu ainda tinha 20. Anteontem, eu catava caracol no jardim e jogava bola na rua. Me acostumava ainda com a idéia de ter 21. É como se o ponteiro corresse mais do que eu, no meu passo de tartaruga obesa. Por quanto tempo ainda vou me corrigir? Irão perguntar:
- Quantos anos você tem? (How old are you?)
E eu responderei, sem hesitar:
- 21
É demorado. Passei 1 ano inteiro com 21, e logo quando eu me apegava...já vem outro número, outro tempo, outra hora no relógio gigante.
As horas de tédio devem se acumular no fundo do relógio, esperando um dia eu voltar a enchê-las, ou me arrepender por elas. Mas hoje, elas estão zeradas. O ponteiro pequeno deu uma volta inteira. E amanhã, ele começa a girar de novo. E eu já me sinto tonto.
Mas, por enquanto, eu vou dizendo (pra me acostumar):
- Tenho quase 22

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Return of the tirinhas

Pra quem ri de qualquer coisa
Ou não

Allan Sieber
Cyanide and Happiness
Recruta Zero
Dilbert
Laerte
Garfield
Malvados


Aumentem minha estima

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A calçada de Helena


Helena atrasara-se de novo. Corria cautelosa buscando não deixar suas sandálias de um bege bem claro pelo caminho. A calçada estava suja, como de costume, chovia fino, mas mesmo assim um sol fraco já se levantava calmamente ao fundo. Devia ser umas 7, talvez 8, Helena nunca fora boa com as horas. Lembrava-se disso e esboçava um pequeno sorriso enquanto corria pela praça semi-deserta de uma manhã de quarta. Recordava-se constantemente de sua infância, ao menos todas as manhãs de correria por dentre os prédios do centro, a caminha da escola. "Que infância feliz", e sorria pequenos sorrisos de uma menina de chinelos verdes a observar cenas curiosas largada no sofá da sala. Sentia seus passos mais lentos e lembrava-se novamente que estava atrasada. Estava sempre atrasada. Mas agora já lhe era um tanto agradável acordar cedo todas as manhãs (talvez não tão cedo como deveria), levantar da cama com um pulo, buscar o primeiro vestido a sua frente no armário, pegar sua bolsa largada no chão da sala, atravessar a porta e descer o degrau apressada de dois em dois. Chegava sempre cansada, mas sem sono ao colégio, largava sua bolsa na mesa marrom quase na altura de sua cintura e sentava-se na cadeira mais escura com um acolchoado confortável, diferente das cadeiras onde se acomodavam todos os seus alunos. Depois de recuperar o fôlego, e seus pés pararem de lhe doer, levantava-se e retirava da bolsa vinho um monte de papéis bagunçados e uma pequena flauta doce de um dourado fraco e gasto pelo tempo. Os rostos jovens paravam de rir (porque sempre riam de Helena chegando na sala arfando e um pouco suada e recostar por uns 3 minutos em suas confortável cadeira passeando os olhos pelo teto, pelo sol nascendo laranja na janela e pelos rostos dos alunos), mas ainda mantinham um pequeno sorriso na face, um sorriso bom, de quem vai ter aula de música, e não uma aula chata de geografia estudando o efeito estufa e o deslocamento das massas de ar do oceano Atlântico. Há quase 1 ano que Helena dava aula de música na escola São Patrício no interior de Petrópolis. Interior de Petrópolis? Petrópolis era uma cidade tão pequena, não haveria de ter interior, ou centro, deve ser tudo uma coisa só, pensava a Helena estudante de faculdade. Mas lá é sempre frio, um frio bom pra gente poder sair de casa de manhã com um agasalho e quem sabe ver aquela suave fumaça saindo da boca. Pronto, vou para Petrópolis. Soube uns meses antes de se formar que uma amiga de uma amiga de sua amiga dissera que tinha uma escola de Petrópolis que procurava um (ou uma) professor de música. Ouvira também que era uma escola boa e que ganharia bem. Poderia alugar um bom apartamento ali perto e comprar várias roupas de frio. Não precisava de carro para andar por lá, é cidade pequena mesmo. Tomaria um ônibus (podia ter charrete), no máximo compraria uma bicicleta. Há quanto tempo não andava de bicicleta, ainda saberia? Claro, é o que todos dizem não? Assim que terminara a última prova e recebera um pequeno papel enrolado escrito "Helena", "Término" e "Parabéns", Helena já estava de malas prontas, casaco vestido, e uma saia leve cortada de um vestido verde que há muito não mais usava. "Eu não sinto frio nas pernas, mãe!". A mãe fingia-se séria, preocupada, tinham se distanciado um pouco desde que Helena ingressara na faculdade. "Essa faculdade não Helena, é muito longe daqui, irá se cansar", "O que? Música?Mas minha filha...". Pensando bem, nunca foram assim tão próximas, mas agora na hora de se despedir Helena sentia uma estranha vontade de abraçar sua mãe bem forte. Olhava em seu rosto, e via um pequeno choro que insistentemente sua mãe tentava encobrir dando-lhe conselhos sérios sobre trabalho e as responsabilidades de uma vida adulta. Morar sozinha seria um grande passo, tem que ser assídua e pontual sempre na escola, quando juntar um dinheirinho compre uma flauta mais nova, minha filha. Helena ouvia com ternura pela primeira vez as incansáveis recomendações de sua mãe. Sentia que ali estava alguém que realmente se preocupava com ela. Ao invés de desanimá-la, isso lhe deu ainda mais coragem para entrar no ônibus e viajar para uma cidade pequena e fria, onde haveria de ter sempre paz e sossego (e não suar, porque suar era muito ruim). Helena sabia que ali teria sempre uma casa, sempre um sofá velho na sala para se largar, sempre um quarto bagunçado e uma geladeira que rangia nervosamente ao abrirem a porta. E agora sentia-se bem em Petrópolis, não estava fazendo tanto frio assim, é verdade, mas ele haveria de chegar, e ela nem ao mesmo se cansaria ao correr para a escola durante a manhã, nem ao subir os 4 andares de escada carregando as sacolas de compras, nem ajudando a senhora Vevé a descer seu velho piano, herança de seu falecido marido. Helena sentia-se calma, tranqüila, gostava de falar interior, pois lhe transmitia uma ainda maior sensação de serenidade. Não se via muitos carros barulhentos passando, muito menos aqueles carros chatos que trazem uma caixa de som tocando alguma música sempre tediosa e que dá nos nervos. Helena sorria a todo sol laranja de toda manhã alaranjada. Era um dia como o outro, e um dia onde tudo o que Helena tinha que fazer era ir a escola levando sua bonita bolsa vinho e ensinar as crianças às músicas que gostasse, as músicas que todos tocariam juntos e aprenderiam os acordes, a letra, a melodia, e cantariam e ririam e fariam silêncio todos juntos.
- Professora Helena?
- Sim Chiquinho?
- Quando o piano vem?
- Na terça ele já está aqui, meu doce.
E a criança se punha a sorrir enquanto a professora Helena começara a tocar na flauta dourada uma pequena música que todos haviam ouvido na aula anterior. E as pequenas crianças cantavam enquanto Helena mexia seus pés alegremente por baixo da mesa.

sábado, 27 de setembro de 2008

Desatento


A dor que vem e fica

De se ter na palma da mão

Batendo vivo um coração

Que nunca se desliga

 

Vem e fica essa dor

De não se ter mais palavra

De cada noite contada

Em que se jurava o amor

 

Reclamo da dor de dente

Brinco de fingir alegria

Mas já sinto de novo a agonia

Do coração que não mais me sente

 

A dor que daí não se vê

Escuta atenta esse lamento

Que de todo o sofrimento

A gente ainda insiste em crer

 

Tanta fita, tanta festa

E eu aqui num canto parado

Cego, surdo, débil e calado

Desatento do que ainda me resta

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Mundo moderno


Famílias e creches

Árvores que crescem

e fazem sombra

Água fresca

com gosto de Coca Light

praças imundas

e mendigos que rastejam

pães e trocados

cofres e bolsos furados

processo, processo

Bem vindo ao mundo moderno



Arranha-céus

que escondem o sol

elevadores

e o gosto de cimento

no meu cachorro-quente

esquinas e vitrines

outdoors reluzentes

luzes, luzes

capas de revista

carros que correm e batem

japoneses falando

e cantando

Pokémons

dados, informação

animais extraordinários

o Pé Grande

portas automáticas

café expresso

os pilares da sociedade atual

camisa rasgada também é moda

solidão, insônia

controle remoto

e o jornal de ontem

TV ligada no som da noite

fumaça, perigo

calor no inverno

como não se maravilhar com o mundo moderno?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Janta


O tempo passa de forma estranha. Lento, parando, como um trem na estação. Quase tropeçando, mas só eu no vagão. Na tv um filme conhecido, na mesa um pão, bananas, maças, tudo que é saudável. Antes eu não era assim. 
Onde eu estava mesmo? 
De pé, acordado. No banheiro do espelho já se diz: o sorriso não se esconde. A imagem boba de mim mesmo que já me põe a rir. Já me alegro com tão pouco, já me divirto por muitos. Com algumas folhas voando, dando voltas, com a hora, o atraso e o estacionamento. Com a louça e a pia, e as roupas sujas no cesto. Já me alegro com o que não é pra me fazer feliz.
As horas passam à toa, porque eu já sei meu lugar. Hoje eu durmo em paz, e acordo só com sono. Deito porque é tarde, como quando sinto fome e te vejo a toda hora. Tudo é simples assim. Meu calendário denuncia meu tempo cheio, que você preencheu. A geladeira, igualmente cheia, agradece feliz. E minha barriga já saliente murmura da mesma forma. Complicado agora é bobagem. Não é mais uma distância, não é mais uma "barreira invisível". Não é nada, não é nada...
Agora, eu sinto a paz e a saudade num puff amassado. Nos meus infinitos docinhos espalhados pela casa. Pela pilha de livros e cd's que se acumulam na mesa à minha frente, e que se tornam uma responsabilidade prazeirosa. A "luz que dá sono" embala esse texto, e suavemente desce meus olhos, cada vez mais preguiçosos. E eu não faço mais sentidos nas minhas palavras. Mas não me importo. Nem tudo precisa fazer sentido para ser bonito; não precisa ser entendido para ser apreciado. Como num filme estranho que eu vi tantas vezes, e ainda vou ver, em várias tardes cheias que ainda estão por vir.
E eu queria que esse texto, como num filme, tivesse música de fundo.
E que ele tocasse uma linda música
dentro de você


"Eu sigo em frente por sentir vontade..."