sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Poesia bagunçada


Eu tenho que confessar que não consigo mais estudar. Quando busco aquele canto isolado da biblioteca, aquele espaço onde só existe eu e um silêncio perturbador, e aquela vontade incômoda de tossir, eu já não posso me concentrar mais. Folheio o livro sem razão, vendo rabiscos nas folhas brancas e achando tudo engraçado, olho pra fora, olho pro teto, olho pros meus pés descalços, olho pra hora que me olha e não passa, e daí vem a vontade incontrolável de escrever. A vontade que não me abandona, que não me deixa fugir, que não me deixa sonhar, pensar, estudar, como algo natural, como ir ao banheiro, como fechar os olhos ao olhar pro sol, como se encolher no sonho em que se está caindo. E tudo muito rápido, é mais forte que eu. É a vontade de continuar descalço, de balançar a cadeira perigosamente, de largar o livro pro lado e de escrever sobre o que não se pode, sobre o que não se pensa, sobre o que não se vive, sobre os meus pés descalços. Vontade de pôr as palavras no papel, de deixá-las livres para que sigam seu próprio caminho, para que escolham ser crônica ou poesia, romance ou novela, piada ou lamento. Olhar e ver a poesia no papel rascunho, a poesia que se desenha, que se pontua sozinha, não para a vida virar poesia, mas para a poesia no papel virar vida, e assim, sair correndo.
E a vontade incansável, imóvel, imutável de se ler a poesia recém-rabiscada na folha arrancada de caderno, com rasuras e garranchos, com pingos de água, com um rasgo na ponta. A poesia suja e bela de fundo de biblioteca, feita entre um cachorro-quente e um guaraná. A poesia da vontade de comer, e a vontade de escrever, e a vontade nova de se escrever tudo o que come, e se comer tudo o que escreve. A vontade estranha, inodora, incolor de olhar a poeira nos livros das estantes. Poeira e poesia, lado a lado. Bem no fundo de um cantinho de uma biblioteca. A poesia rabiscada no papel foi deixada lá, em cima de uma mesa, largada. Porque fora dali as folhas limpas, são cheirosas, são passadas a ferro e guardadas em pastas, e nelas só se escrevem poesias limpas e ordenadas de letras impressas. Porque longe dali, da poeira e do calor, aquela poesia bagunçada não tem lugar.

Um comentário:

Maria Lopes disse...

não é deprê, é tpm, renan...
e saudade

vamos fazer algo amanha?! ;)