Roberto respirava calmamente naquela tarde de outono. Mais calmo do que usualmente respirava sempre sentado em sua cadeira de leitura, com os óculos pequenos debruçados sobre o nariz, grande como o do avô. Sempre lhe diziam que era a cara do avô. Nunca entendeu porque não lhe falavam que era a cara do pai, que era igual ao seu avô, mas sempre...a cara do avô. Deitado na cama esticado, Roberto olhava pro teto e não via a tinta branca que subia pelas paredes, não via as manchas de infiltração, não via a lâmpada ou os 60 watts de alegria incandescente; Roberto via um dia, de volta em casa, encontrando seu neto a implicar com a irmã caçula. Via o primeiro passeio de carro e ouvia de novo todos os xingamentos novos que aprendeu naquele dia, via a praça vazia e ele no banco, via ela que não chegava, não chegava nunca! Via a pipoca estourando no microondas, as crianças sentadas no chão da sala, o sinal aberto, o sinal fechado, e ele que nunca se cansou de esperar naquele banco. Via seu pijama de seda, o ventilador de teto, o queijo e a goiabada (sempre juntos), a irritação das despesas, a alegria do carnaval perdido numa cidade estranha sem dinheiro, via a agonia da prova final, o desespero da semana, a dor de estômago, e o paciente que saía contente do seu consultório. Roberto via, sem ver, que o teto se mexia, se moldava a pintar seu próprio rosto, como um reflexo. “Você está velho, meu caro. Mas quanta vida!”. E enquanto o teto outra vez mexia e escorria tinta branca de volta pelas paredes, Roberto pensava nela, via o banco sozinho, a pipa voando, o pé balançando, e a paciência que é infinita quando não se quer estar em nenhum outro lugar. A luz da tarde se apagava pela janela, e Roberto suspirava cada vez mais devagar. Sentia o corpo, a idade, o peso do mundo esmagá-lo contra o travesseiro. Sentia que era muito mais, que tudo era muito mais. Via a pelada na rua de tardinha, a namorada da escola que tinha bigodinho e espinha, a briga na faculdade, a corrida pra maternidade, e o atraso que era sempre um susto. Roberto sentia a brisa do outono, olhava ainda calmo para o teto, vendo sem olhar, sentindo o peso das pálpebras pesadas, o travesseiro afundando, e o banco onde se conheceram, vazio, sem ela, e sem ele, que agora também não iria mais chegar. E enquanto a noite lá fora caía, Roberto, ainda calmo, sabia que era tudo mais, muito mais.
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2 comentários:
o filme é otimo.. tb não vi inteiro. vamos ver um dia desses?! ;)
banco e morte... rs
adorei.
muito, muito bom! Seus textos são sempre muito muito bons. Um dia vou escrever assim...
E Alzira é bem mais divertido que Roberto =P
Just for the record...
Alzira vem de Zaíra.
heheheheheheheh
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