domingo, 31 de agosto de 2008
"Para mim (não leia)
E te olhar por mais de um segundo
Te dar aquele abraço apertado
Ou só um aperto de mão
O que for mais adequado para a ocasião
A verdade é que estamos separados
Por mais do que algumas simples ruas
E se não fosse esse mundo moderno
(que alguém tanto critica)
essas palavras não chegariam tão longe
não chegariam até nós
e o que somos nós
Será igual com você aí
Ou em qualquer outro lugar
Você se vai
Para um pouquinho mais longe de mim
E de todos
Eu sinto você triste
E isso me faz um pouco triste também
Por isso, desenhei uma cara
Com um grande sorriso
E penso que é você sorrindo
Penso que é você feliz
Olhando os pássaros
E dizendo palavras bobas
(vou fazer um com a boca se mexendo)
ao som de um bom violão
Não fique triste
Não fique
Porque eu estou aqui, Renan
Pra não te deixar cair
Quando você tropeçar no seus cadarços
Agora eu entendo
Ou quase...
Mas talvez você entenda melhor do que eu
Um abraço bem apertado, Renan
Não vou dar adeus
Não há espaço para adeus nessas entrelinhas
Mesmo porque os laços que criamos
Não vão se romper
E a Internet
Vai servir ainda que para nós nos falarmos
(porque é desse jeito que foi até hoje)
então Renan
não fique triste
porque aqui ou lá
ainda estaremos olhando para o mesmo céu
para o mesmo céu, Renan
como num poema seu"
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Confusão

Deu uns trocados que deviam estar na minha carteira para o motorista com cara de árabe do táxi e desceu na casa da mãe. Ele ajudou a tirar as malas. A mais pesada ele deixou ela mesmo levar. E a arrastou pelas escadinhas e chorou no ombro da mãe, e ela disse que a havia avisado, e as crianças entraram e queriam fazer bagunça, e comer o bolo da vovó. Mas ela as pôs pra dormir. E dormiu também, com os olhos pesados de sono. Dormiu na cama no meio das crianças, e acordou cansada e com dor de cabeça. Jogou água nos olhos e ligou pra ele. E ele atendeu com aquela voz de sempre, aquela voz que parecia que ele já estava esperando aquele telefone, e falava "alô" só de brincadeira, porque já podia adivinhar quem era. E ela contou-lhe que me deixou, pra sempre, e tentava parecer mais feliz do que estava. Então ele lhe disse algumas palavras bonitas e outras promessas vazias, e ela comprou duas passagens para Madri. Arrastou a mala que ainda não havia desfeito para um outro táxi amarelo com um sujeito de boné de português e bigode e arrastou depois até o portão de embarque, porque não achou nenhum carrinho. Queria levar os filhos, mas eles tinham escola amanhã, e estavam com a boca cheia de bolo. A mãe havia lhe avisado, e o avisou perdeu-se com o frio na barriga do pouso em Madri. Arrastou a mala para um táxi vermelho, que levou um tempo até reconhecer como táxi, e ele trazia uma mala menor, e cheirava a desodorante caro, mas que ela que devia ter-lhe comprado e já esquecera o cheiro. Subiram no hotel e ele lhe fez carícias, se jogaram na cama e beberam champagne, e meu cartão de crédito sambava perdido entre as fronhas. Fazia frio e sua mala não fechava, e o jeito foi jogá-la assim mesmo no bagageiro para o avião poder decolar.
E logo a voz do piloto a acordava para a descida, e logo ela voltava a arrastar a mala que tinha a sensação de ainda não ter aberto para dentro de um táxi amarelo que ela agora achava ser vermelho. Entrou na casa da mãe e pediu outra vez seu ombro para chorar. As crianças voltaram da escola e viam desenho, e ela quis café. Café não, chá. E ela disse que ele não queria compromisso, e apaixonou-se perdidamente por uma menina mais magra e mais moça em Madri.E a mãe relembrou seu aviso, seu aviso sempre previamente avisado, avisador. Ela foi ao banheiro e odiou-se ao espelho, se achou velha e gorda, odiou suas marcas de preocupação na testa e as olheiras fundas na vista, odiou o espelho e o quebrou. E ouvi a voz da mãe, e cansou-se de seus avisos e diz que sabe se cuidar. Reclamou da velha, de si mesma, da demora do táxi, e o motorista magro e pálido com cara de defunto vivo ajudou a arrastar as malas pequenas das crianças para a mala amarela do táxi. Chegaram na casa maior da rua, e ela deu mais de meus trocados. Balançou o portãozinho destrancado e as crianças entraram apressadas pro seus quartos. A menina tinha saudade das bonecas, e o menino esquecera onde pusera seu skate.
Ela arrastou a mala para dentro do quarto, atravessando a sala e o corredor banhado de luz. Deixou-a cair no chão e nem me olhou dormindo, na mesma posição, com a cara afundada no travesseiro. Entrou no banheiro e no segundo seguinte saiu despida, com uma leve camisola, como gostava de dormir. Deitou-se do meu lado, calada, sem me tocar, e sentiu um peso cansado cair sobre seus olhos. Dormiu, e deixou a luz do corredor acesa, como um aviso, para eu me lembrar de tudo, pra eu acordar irritado com a casa toda iluminada pelo sol e aquela luz ali acesa, inútil, gastando meus trocados. Sentia um sol já de tarde me tocando a face pela cortina que balançava no quarto, e com os olhos ainda difíceis de abrir, como que grudados pela remela, e a gravata ainda me sufocando, e meus sapatos que deviam estar sujando a cama, tirei a cabeça do travesseiro e olhei para o lado, e vi seu contorno, sua mesma forma de dormir, passei-lhe a mão pelo cabelo e ela grunhiu e virou-se. Me aproximei e beije-a nas costas, um beijo leve e doce, e ela pareceu estremecer um pouco. Pus a mão em sua coxa mais perto e pedi um café. Ela se mexeu num pequeno instante, passou as mãos pelo seus cabelo e rosto e sentou-se na cama, de costas para mim. Levantou-se depressa sem me olhar, atravessou o quarto rapidamente e disse como quem falava para um quarto vazio: "Vou fazer seu café".
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Tirinha's time
terça-feira, 26 de agosto de 2008
Olha aí
"E na sua meninisse, ele um dia me disse que chegava lá"
Tudo é tão longe da casa da gente...
Tudo é tão mais alto do que se pode alcançar
Eu desaprendi a pular. Esqueci como se estica. Eu parei de crescer, tão cedo
Mas a prateleira todo dia sobe; o açúcar se esconde, atrás dos biscoitos, as panelas se empilham
e a felicidade da gente fica sem lugar pra ficar
A gente fica sem hora, a gente fica sem tempo, a gente perde a carteira no vai-e-vem do trem
A gente perde a hora, a gente ganha uma multa, a gente perde a cabeça e ninguém escuta
O trem vai e vem, soltando fumaça
e a gente vai se largando, se soltando no mundo, pulando poças d'água
O avião vai subindo, gente partindo, gente chegando, a ponte caíndo e ninguém sorrindo
e nada mais
Nada demais
E pra que tanto alvoroço?
"O guri no mato. Acho que tá rindo. Acho que tá lindo, de papo pro ar"
Desde o começo eu sempre soube, seu moço
que sozinho eu não chegava lá
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
domingo, 24 de agosto de 2008
Ontem

Já é domingo de novo
Um vírus entrou no meu computador, sem bater na porta
e agora não deixa nem mais o Chico cantar "O meu guri"
Ontem eu acordei, cantei, suei
falei inglês
comi, dormi, bati
perdi uma calota
brinquei de fazer desenhos com ketchup
e agora hoje...já não é mais ontem
é tão óbvio
a barba crescendo anuncia o passar dos dias
o cabelo começando a cair no rosto
o bafo de manhã cedo já me diz
e mesmo assim, eu ainda sinto falta
de todos os ontens
que já vieram antes desse domingo
mas que eu ainda lembro pra contar
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Notícia de jornal

“Seu José caiu da ponte”
Todos leram surpresos e chocados
- Ele morava ali do lado.
- Um sujeito tão normal!
Seu José, padeiro e faz-tudo
Agora notícia de Jornal
A criança de perto olhava
E a mãe, horrorizada
Punha-se a comentar
Todos juntos em voz alta
No mesmo coro
Nem ao menos um soluço
Ninguém ameaçava chorar
E no meio de tanta agitação
Numa simples manhã de domingo
Onde ninguém comeu pão
O Jornal trazia na mesma notícia
Em letras bem miúdas:
“Seu José andava triste”
Mas ninguém deu atenção
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Uma vez

Ouvia minha vó reclamando na cozinha, falando alto, e meu avô sentado na cadeira lendo jornal e revesando sua atenção entre minha vó e a seção de esportes. Fui até a cozinha com a desculpa de pegar mais bolo, passando devagar, só pra ver o que estava acontecendo. Eu era mais curioso naquela época, e mais sem-vergonha também. Minha vó estava arrumada, devia estar voltando da missa. Pelo cheiro de pão fresco, tinha parado na padaria na volta. Meu estômago já começava a roncar sentindo aquele cheiro, e já pensava em passar bastante requeijão no pão e molhar no leite com Nescau pra comer. Minha vó falava alto (como sempre falou), dizia que havia dado um dinheirinho para um garoto na saída da igreja porque ele disse que estava com fome:
- E eu não fui lá na padaria e encontrei o garoto jogando fliperama?!
Minha vó parecia indignada com o fato de o pobre garoto (ou garoto pobre) ter gastado o dinheiro que ela lhe deu pra comprar um pão numa ficha de fliperama. Dizia que agora não ia dar mais dinheiro, mas preferia comprar a comida e dar pro garoto. Não sabia se ela estava indignada com o fato do garoto ter mentido ou de ele ter usado o dinheiro que era pra comida no fliperama. Eu, com a boca cheia de bolo, não conseguia entender direito isso tudo. Pra mim parecia perfeitamente normal que o garoto tivesse gastado o dinheiro no fliperama. Eu o entendia, como se entende que alguém goste de bolo. Se alguém tivesse me dado uma moeda naquele momento eu talvez fosse até um fliperama gastá-la.
Essa história, como muitos outros fatos e lembranças pequenas, que você acha sem importância maior e não entende bem porque, permanecem estranhamente guardadas na memória. E até hoje eu não entendo a indignação da minha vó. Criança come quando tem fome, dorme quando tem sono e brinca na hora de comer e dormir. Criança não está preocupada com a comida de amanhã, nem em ter uma alimentação saudável e balanceada, em comer na hora certa ou em comer brócolis e espinafre. Criança quer se divertir; quer sair na rua mesmo quando tem chuva, quer ficar no sereno e acordada até tarde. E o garoto pobre, na rua sem nada, só tem uma ficha, só uma vida, só uma chance. E depois: game over.
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Sapo Chico

Qualquer dia desses em casa, provavelmente uma terça, que está mais para um dia qualquer do que qualquer outro dia, quando se está em casa pensando em algo para pensar, algo para ocupar uns 15 minutos apenas, talvez 30....enfim, eu já me perdi. Mas num dia desses, olhando para o pequeno mural que tem no meu quarto, onde eu penduro as coisas que preciso lembrar (e que agora esqueço de olhar), passando os olhos rápido, um calendário da faculdade, meus dias de aula, algumas contas, roupas na lavanderia...até que bati os olhos no Sapo Chico. Parado, pendurado, entediado, assim como eu, tentando achar alguma graça de se estar li pendurado no mural pra passar o tempo.
Decidi então mudá-lo de lugar. Uma mudança de ares deve fazer bem a ele. Mas onde? Andei com ele pela casa, o que não me demorou muito, e descobri, perplexo, que assim como eu, Sapo Chico não tem lugar dentro dessas paredes. Não havia quase nenhum lugar onde eu pudesse pendurá-lo, e quando eu achava, ele, como que por teimosia, insistia em cair sempre. Mas era lógico! Sapo Chico não queria mais viver pendurado. Não queria mais viver parado no mesmo lugar, olhando a mesma vista, esperando talvez um vento forte para balançá-lo. Sapo Chico queria encontrar seu próprio vento, queria se balançar sozinho. Queria se jogar do seu pedaço do mural e descobrir, sozinho, se o chão era duro. Não adiantava eu lhe falar, lhe avisar. Dizer que ali, pendurado, ele estaria melhor do que em qualquer outro lugar.
Resolvi levar Sapo Chico comigo, para algum lugar, para qualquer lugar que eu fosse. Deixei ele sair pela porta, comigo. Era o máximo que eu podia fazer. Sapo Chico tem pernas, mas não sabe andar. Só coacha quando lhe apertam. Levei ele comigo até o carro e o deixei ali, no banco. Talvez ele gostasse de tudo, afinal. Ou talvez fosse só um passeio agradável. Tentei pendurá-lo mais uma vez no espelho do carro, e na primeira curva, ele caía. Maria falou que eu não tinha posto direito, que tinha que enrolar e prender a correntinha, então eu deixei ela botar. Ela quebrou uma unha, reclamou, mas conseguiu. Agora Sapo Chico fica pendurado no espelho, no meio do carro, olhando pra tudo lá fora e se balançando nas curvas. Eu olho pra ele. Ás vezes ele me lembra alguém. Outras vezes, me lembra apenas um sapo, que fica lá no meu carro pendurado me esperando pra passear.
Eu gosto de pensar que ele gosta disso tudo.
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
domingo, 17 de agosto de 2008
Domingo
alguém vai ter que me ouvir"
Hoje é domingo
Domingo é naturalmente chato
Lá fora tá calor
Aqui dentro também
Lá fora tem sol
Aqui dentro eu fechei as cortinas
Liguei o ventilador
E deixei o tempo passar
Já é tarde
Quase tardinha
O domingo continua chato
continua quente
e continua
E nesse meio tempo
Entre sentir calor e tédio
Eu fiz isso aqui
Pra distrair a mim, e a você
Sem querer
Agora faz menos calor lá fora
E eu continuo, como o domingo
Cambaleando, quase dormindo
Ouvindo "Morena de Angola"